LIBER LIBERI
vel
LAPIDIS LAZULI
ADVMBRATIO
KABBALÆ
ÆGYPTIORVM
SVB FIGVRA
VII
Sendo a Emancipação Voluntária de um certo Adepto Exempto de seu Adeptado. Estas são as Palavras-de-Nascença de um Mestre do Templo.
A.·.A.·.
Publicação em Classe A
Tradução: Frater EVER a.k.a. Marcelo Ramos Motta
PRÓLOGO DO INASCIDO
- À minha solidão chega —
- O som de uma flauta em bosquetes escuros que crescem nos montes mais distantes.
- Mesmo da margem do corajoso rio eles atingem à borda do deserto.
- E eu vejo Pã.
- As neves são eternas acima, acima —
- E o perfume delas sobe às narinas das estrelas.
- Mas que tenho eu a ver com essas coisas?
- Para mim somente a flauta distante, a duradoura visão de Pã.
- Em toda parte Pã para os olhos, para os ouvidos;
- O perfume de Pã presente, o gosto dele enchendo-me por completo a boca, de forma que a
língua fala num idioma monstruoso e estranho. - O abraço dele intenso em todo centro de prazer e dor.
- O sexto sentido interno inflamado com Seu ser mais íntimo;
- Meu ser atirado ao precipício da existência.
- Até mesmo no abismo, aniquilação.
- Um fim para a solidão, como de tudo.
16. Pã! Pã! Io Pã! Io Pã!
I.
- Meu Deus, como eu Te amo!
- Com a veemente fome de uma besta eu Te caço pelo Universo.
- Tu estás como que de pé sobre um pináculo na borda de alguma cidade murada. Eu sou uma ave
branca, e me empoleiro em Ti. - Tu és Meu Amante: eu Te vejo qual uma ninfa, seus membros níveos estirados junto à fonte.
- Ela jaz sobre o musgo; não há outrem senão ela:
- Não és Tu Pã?
- Eu sou Ele. Não fales, Ó meu Deus! Que o trabalho seja executado em silêncio.
- Que meu grito de dor se cristalize num viadinho branco que foge para dentro da floresta!
- Tu és um centauro, Ó meu Deus, da Tua coroa de violetas até os cascos do cavalo.
- Tu és mais duro que o aço temperado; não há diamante como Tu.
- Não entreguei este corpo e alma?
- Eu te cortejo com uma adaga ameaçando-me a garganta.
- Que o jorro de sangue mate a Tua sede de sangue, Ó meu Deus!
- Tu és um coelhinho branco na toca da Noite.
- Eu sou maior que a raposa e o buraco.
- Dá-me Teus beijos, Ó Senhor Deus!
- O relâmpago veio e consumiu o rebanhinho de ovelhas.
- Há uma língua e uma flama; eu vejo aquele tridente caminhando sobre o mar.
- Uma fênix tem ele por cabeça; há dois aguilhões embaixo. Eles lanceiam os malvados.
- Eu te lancearei, Ó Tu deusinho cinza, se Tu não tomas cuidado!
- Do cinza ao ouro; do ouro àquilo que está além do ouro de Ofir.
- Meu Deus! mas eu Te amo!
- Por Tu sussurraste tanta coisa ambígua? Tiveste medo, Ó Tu de pés-de-bode, Ó Tu que
chifrudo, Ó pilar de raio? - Do raio caem pérolas; das pérolas, negros pedacinhos de nada.
- Eu baseei tudo em um, um em nenhum.
- Flutuando no éter, Ó meu Deus, meu Deus!
- Ó Tu grande encapuçado sol de glória, corta estas pálpebras!
- A natureza morrerá; ela me esconde, fechando-me as pálpebras com medo, ela me esconde de
Minha destruição, Ó Tu olho aberto. - Ó Tu que sempre choras!
- Nem Isis minha mãe, nem Osíris eu-mesmo; mas Hórus incestuoso entregando-se a Tifão, assim
eu seja! - Aí pensamento; e pensamento é o mal.
- Pã! Pã! Io Pã! é bastante.
- Não caias na morte, Ó minha alma! Pensa que a morte é a cama na qual tu estás caindo!
- Ó como eu Te amo, Ó meu Deus! Especialmente há uma veemente luz paralela vinda da
infinidade, vilmente difratada na névoa desta mente. - Eu Te amo.
Eu Te amo.
Eu Te amo. - Tu és uma coisa linda, mais branca do que uma mulher na coluna desta vibração.
- Eu subo verticalmente como uma flecha e me torno Aquilo acima.
- Mas é morte, e a flama da pira.
- Ascende na flama da pira, Ó minha alma! Teu Deus é como o frio vazio do mais extremo céu,
no qual tu radias tua pequena luz. - Quando Tu me conheceres, Ó Deus vazio, minha flama expirará por completo em Teu grande
N.O.X. - Que serás Tu, meu Deus, quando eu não Te amar mais?
- Um verme, um nada, uma canalha desprezível.
- Mas Oh! Eu Te amo.
- Eu atirarei um milhão de flores da cesta do Além aos Teus pés, eu Te ungí e ao Teu Cajado de
óleo e sangue e beijos. - Eu acendi Teu mármore para a vida — sim! para a morte.
- Eu fui golpeado com a catinga de Tua boca, que bebe nunca vinho, mas vida.
- Como o orvalho do Universo embranquece os lábios!
- Ah! fiozinho das estrelas da mãe Superna, estanca!
- Eu Sou Ela que viria, a Virgem de todos os homens.
- Sou um menino ante Ti, Ó Tu Deus sátiro.
- Tu infligirás a punição do prazer — Agora! Agora! Agora!
- Io Pã! Io Pã! Eu Te amo. Eu Te amo.
- Ó meu Deus, poupa-me!
- Agora!
Está feito! Morte.
55. Eu gritei alto a palavra — e ela foi um potente encanto para atar o Invisível, um feitiço para desatar o atado; sim, para desatar o atado.
II.
- Ó meu Deus! usa-me Tu de novo, sempre. Para sempre! Para sempre!
- Aquilo que veio fogo de Ti vem água de mim; portanto que Teu Espírito se aposse de mim, para
que minha mão direita desprenda o raio. - Viajando pelo espaço, eu vi a carga de duas galáxias, marrando uma à outra e chifrando como
touros sobre a terra. Eu tive medo. - Assim elas pararam de lutar e voltaram-se contra mim, e eu fui duramente esmagado e dilacerado.
- Eu preferiria ter sido espezinhado pelo Elefante do Mundo.
- Ó meu Deus! Tu és minha tartaruga de estimação!
- No entanto Tu sustentas o Elefante do Mundo.
- Eu me insinuo sob tua carapaça como um amante na cama de sua linda; eu me insinuo e sento-me
em Teu coração, tão entocadinho e confortável quanto se possa ser. - Tu me abrigas, de forma que não ouço o trombeteio daquele Elefante do Mundo.
- Tu não vales um vintém na praça de mercado; no entanto Tu não podes ser comprado pelo valor
de todo o Universo. - Tu és como uma linda escrava núbia reclinando sua púrpura nua contra os verdes pilares de mármore que estão acima do banho público.
- Vinho jorra dos seus negros mamilos.
- Eu bebi vinho há pouco tempo na casa de Pertinax. O escanção favoreceu-me, e deu-me do
dulcíssimo Chian. - Havia um jovem dórico, perito em feitos de força, um atleta. A lua cheia fugiu colérica pelas
ruínas. Ah! mas nós rimos. - Eu fiquei perniciosamente bêbado, Ó meu Deus! No entanto, Pertinax trouxe-me às bodas.
- Eu tive uma coroa de espinhos como único dote.
- Tu és como um chifre de bode de Astor, Ó Tu Deus meu, enrugado e retorcido e diabolicamente
forte. - Mais frio que todo o gelo de todos os glaciares da Montanha Pelada foi o vinho que ele verteu
para mim. - Uma região selvagem e uma lua minguante.
Nuvens céleres no céu.
Um círculo de pinheiros, e de altos seixos além. Tu no meio! - Ó todos vós sapos e gatos, alegrai-vos! Vós coisas gosmentas, cá vinde!
- Dançai, dançai para o Senhor nosso Deus!
- Ele é ele! Ele é ele! Ele é ele!
- Por que deveria eu persistir?
- Por que? Por que? vem o cacarejo súbito de um milhão de diabinhos do inferno.
- E o riso se alastra.
- Mas não afeta o Universo; não faz tremerem as estrelas.
- Deus! como eu Te amo!
- Eu estou andando num asilo; todos os homens e mulheres em volta minha são loucos.
- Ó loucura! loucura! loucura! tu és desejável.
- Mas eu Te amo, Ó Deus!
- Estes homens e mulheres deliram e uivam; eles espumejam tolice.
- Eu começo a sentir medo. Eu não tenho com quem comparar notas; eu estou só. Só. Só.
- Pensa, Ó Deus, como sou feliz em Teu amor.
- Ó Pã de mármore! Ó falsa face que escarnece! Eu amo Teus beijos escuros, sangrentos e
fedegosos! Ó Pã de mármore! Teus beijos são como a luz do sol no Egeu azul; seu sangue é o
sangue do poente sobre Atenas; sua catinga é como um jardim de Rosas da Macedônia. - Eu sonhei com poente, e rosas, e vinhedos; Tu estavas lá, Ó meu Deus, Tu disfarçaste-Te como
uma cortesã de Atenas, e eu Te amei. - Tu não és sonho, Ó Tu demasiado belo tanto para o sono quanto para a vigília!
- Eu disperso a gente louca da terra; eu caminho sozinho com meus fantochitos no jardim.
- Eu sou enorme qual Gargântua: aquela galáxia é apenas o anel de fumo do meu incenso.
- Queima Tu ervas estranhas, Ó Deus!
- Fermentai-me um licor mágico, rapazes, com vossas olhadas!
- A própria alma está bêbada.
- Tu estás bêbado, Ó meu Deus, com os meus beijos.
- O Universo treme; Tu o olhaste.
- Duas vezes, e tudo está feito.
- Vem, Ó meu Deus, e abracemo-nos!
- Preguiçosamente, esforçadamente, ardentemente, pacientemente; assim eu trabalharei.
- Haverá um Fim.
- Ó Deus! Ó Deus!
- Eu sou um tolo de Te amar; Tu és cruel, Tu Te absténs.
- Vem a mim agora! Eu Te amo! Eu Te amo!
- Ó meu querido, meu querido — Beija-me! Beija-me! Ah! uma vez mais.
- Sono, apossa-te de mim! Morte, apossa-te de mim! Esta vida é demais cheia; ela dói, ela mata,
ela basta. - Que eu volte para o mundo; sim, volte para o mundo.
III.
- Eu fui o sacerdote de Ammon-Ra no templo de Ammon-Ra em Thebai.
- Mas Baco veio cantando com suas tropas de moças vestidas de vinha, moças em mantos escuros;
e Baco no meio como um viadinho! - Deus! como eu saí com raiva e espalhei o coro!
- Mas em meu templo ficou Baco o sacerdote de Ammon-Ra.
- Portanto eu fui em farra com as jovens à Abissínia; e lá moramos e nos divertimos.
- Excedentemente; sim, nos divertimos muito!
- Eu comerei o fruto maduro ou verde pela glória de Baco.
- Terraços de ilex, e arquibancadas de ônix e opala e sardônia elevando-se ao fresco, verde portal
de malaquita. - Dentro há uma concha de cristal, na forma de uma ostra — Ó glória de Príapo! Ó beatitude da
Grande Deusa! - Ali dentro, uma pérola.
- Ó Pérola! Tu vieste da majestade do terrível Ammon-Ra.
- Então eu, o sacerdote, vi um brilho firme no coração de pérola.
- Tão vivo que não podíamos olhar! Mas vede! uma rosa cor-de-sangue sobre uma cruz de ouro
fulgente! - Assim eu adorei o Deus. Baco! tu és o amante de meu Deus!
- Eu que fui sacerdote de Ammon-Ra, que vi o Nilo correr por muitas luas, por muitas, muitas luas, sou o viadinho da terra cinza.
- Eu estabelecerei minha dança em vossos conventículos, e meus amores secretos serão doces
entre vós. - Tu terás um amante entre os senhores da terra cinza.
- Isto ele te trará, sem o que tudo é em vão: a vida de um homem derramada a ti nos Meus Altares.
- Amém.
- Que seja cedo, Ó Deus, meu Deus! Eu anseio por Ti, eu perambulo muito só entre a gente louca,
na terra cinza de desolação. - Tu eregerás a abominável Coisa solitária de maldade. Ó alegria! cimentar aquela pedra
fundamental! - Ela estará ereta sobre a alta montanha; somente meu Deus comungará com ela.
- Eu a construirei de um rubi único; ela será vista de longe.
- Vem! irritemos os vasos da terra: eles distilarão vinho estranho.
- Cresce aquilo sob a minha mão: cobrirá o céu inteiro.
- Tu estás atrás de mim: eu grito com alegria louca.
- Então disse Ituriel o forte: adoremos Nós também esta maravilha invisível!
- Isto eles fizeram, e os arcanjos cobriram o céu.
- Estranho e místico, como um sacerdote amarelo invocando grandes revoadas de grandes aves
cinzentas do Norte, assim estou de pé e Te invoco! - Que eles não obscureçam o sol com suas asas e seu clamor!
- Retira a forma e sua comitiva!
- Eu permaneço.
- Tu és como uma águia-pescadora no arrozal, eu sou o grande pelicano vermelho nas águas do
poente. - Eu sou como um eunuco negro; e Tu és a cimitarra. Eu decepo a cabeça do claro, do quebrador
de pão e sal. - Sim! Eu decepo — e o sangue faz como que um poente no lapis-lazuli do Quarto de Dormir do
Rei. - Eu decepo. O mundo inteiro é quebrado num grande vendaval, e uma voz brada numa língua que os homens não podem falar.
- Eu conheço aquele horrível som de alegria primeva; sigamos nas asas da tormenta até mesmo
à casa santa de Hator; ofereçamos as cinco joias da vaca sobre seu altar! - De novo a voz inumana!
- Eu ergo minha massa de Titã nos dentes da tormenta, e golpeio e prevaleço, e lanço-me por
sobre o mar. - Lá está um estranho Deus pálido, um deus de dor e de extrema maldade.
- Minha alma morde-se a si mesma, como um escorpião cercado de fogo.
- Aquele pálido Deus de face desviada, aquele Deus de sutileza e riso, aquele jovem Deus dórico,
eu o servirei. - Pois o fim daquilo é inenarrável tormento.
- Melhor a solidão do grande mar cinza!
- Mas ai da gente da terra cinzenta, meu Deus!
- Sufocá-los-ei com minhas rosas!
- Ó Tu Deus delicioso, sorri sinistro!
- Eu te colho, Ó meu Deus, como uma ameixa púrpura da rama ensolarada. Como Tu desmanchas
em minha boca, Tu consagrado açúcar das Estrelas! - O mundo todo é cinza ante os meus olhos: é como um velho, usado odre de vinho.
- Todo o vinho dele está nestes lábios.
- Tu me engendraste sobre uma Estátua de mármore, Ó meu Deus!
- O corpo está gelado com o frio de um milhão de luas; é mais duro que o adamante eterno.
Como chegarei à luz? - Tu és Ele, Ó Deus! Ó meu querido! minha criança! meu brinquedo! Tu és como um grupo de
donzelas, como uma multidão de cisnes sobre o lago. - Eu sinto a essência do macio.
- Eu sou duro, e forte, e macho; mas venha Tu! Eu serei macio, e fraco, e feminino.
- Tu me esmagarás no lagar do Teu amor. Meu sangue Te tingirá os pés de fogo com litanias de
Amor em Angústia. - Haverá uma nova flor nos campos, uma nova vindima nos vinhais.
- As abelha colherão um mel novo; os poetas cantarão uma nova canção.
- Eu ganharei a Dor do Bode como prêmio; e o Deus que senta sobre os ombros do Tempo
cochilará. - Então tudo isto que está escrito será feito; sim, será feito.
IV.
- Eu sou como uma donzela banhando-se em um claro poço de água fresca.
- Ó meu Deus! Eu Te vejo escuro e desejável, subindo através da água como uma fumaça dourada.
- Tu és todo dourado, o cabelo e o cenho e a face brilhante; mesmo das pontas dos dedos às pontas
dos artelhos, Tu és um rosado sonho de ouro. - Fundo em Teus olhos dourados minha alma pula, como um arcanjo ameaçando o sol.
- Minha espada Te trespassa e trespassa; luas cristalinas escoam de Teu corpo lindo que está
escondido atrás das ovais de Teus olhos. - Mais fundo, sempre mais fundo. Eu caio, mesmo como o Universo inteiro cai no abismo de Anos.
- Pois a Eternidade chama; o Sobremundo chama; o mundo do Verbo nos espera.
- Acaba com a fala, Ó Deus! Crava as presas do cão Eternidade nesta garganta minha!
- Eu sou como uma ave ferida esvoaçando em círculos.
- Quem sabe onde vou cair?
- Ó Abençoado! Ó Deus! Ó meu devorador!
- Deixa-me cair, precipitar-me, afastar-me, longe, só!
- Deixa-me cair!
- Nem há qualquer descanso, Coração Doce, salvo no berço do régio Baco, a coxa do Altíssimo.
- Lá, descanso, sob o dossel da noite.
- Urano censurou Eros; Marsyas censurou Olympas; eu censuro meu lindo amante com sua
cabeleira de raios de sol; não cantarei? - Não trarão meus encantamentos em volta minha a maravilhosa companhia dos deuses silvestres,
seus corpos luzindo com o unguento de luar, e mel, e mirra? - Reverentes sois vós, Ó meus amantes; avancemos para a clareira mais sombria!
- Lá festejaremos comendo mandrágora e môulo!
- Lá o Lindo espalhará para nós Seu santo banquete. Nos bolos castanhos de trigo provaremos a
comida do mundo, e seremos fortes. - Na rubra e horrenda taça da morte beberemos o sangue do mundo, e ficaremos ébrios!
- Óhé! a canção a Iao, a canção a Iao!
- Vem, cantemos para ti, Iaco invisível, Iaco triunfante, Iaco indizível!
- Iaco, Ó Iaco, Ó Iaco, sê perto de nós!
- Então a face de todo o tempo foi escurecida, e a verdadeira luz mostrou-se.
- Houve também um certo grito numa língua ignota, cuja estridência perturbou as águas quietas da minha alma, de forma que minha mente e meu corpo foram curados de sua doença, auto-conhecimento.
- Sim, um anjo perturbou as águas.
- Este foi o grito d’Ele: IIIOOShBTh-IO-IIIIAMAMThIBI-II
- Nem cantei isto mil vezes por noite durante mil noites antes que Tu viesses, Ó meu Deus
flamejante, atravessar-me com Tua lança. Teu robe escarlate desdobrou o céu inteiro, de forma que
os Deuses disseram: Tudo queima; é o fim. - Também Tu puseste teus lábios na ferida e extraíste um milhão de ovos. E Tua mão sentou-se
sobre eles, e vede! estrelas e Coisas ultimais de que as estrelas são átomos. - Então eu Te percebi, Ó meu Deus, sentado como um gato branco sobre a treliça do porto; e o
zunido dos mundos regirando era apenas o Teu prazer. - Ó gato branco, as faíscas voam do Teu pelo! Tu crepitas estalando os mundos.
- Eu vi mais de Ti no gato branco do que vi na Visão dos Aeons.
- No bote de Ra viajei, mas nunca encontrei sobre o Universo visível qualquer ente como Tu!
- Tu foste como um cavalo branco alado, e eu Te fiz correr pela eternidade contra o Senhor dos
Deuses. - Pois ainda corremos!
- Tu foste como um floco de neve caindo nos bosques de pinheiros.
- Num instante Tu sumiste numa agridão do parecido e do diverso.
- Mas eu vi o lindo Deus atrás de uma tempestade de neve — e Tu eras Ele!
- Também eu li num grande Livro.
- Sobre antigo pergaminho estava escrito em letras de ouro: Verbum fit Verbum.
- Também Vitriol e o nome do hierofante,
V.V.V.V.V.
- Tudo isto regirava em fogo, fogo estelar, raro e longínquo e completamente solitário — mesmo
como Tu e Eu, Ó alma desolada Deus meu! - Sim, e a escritura,
está bem.
Esta é a voz que sacudiu a terra.
- Oito vezes grito ele alto, e por oito e por oito contarei Teus favores, Oh Tu Deus Undécuplo
418! - Sim, e por muitos mais, pelas dez nas vinte-e-duas direções; mesmo como a perpendicular da
Pirâmide — assim Teus favores serão. - Se eu os conto, eles são Um.
- Excelente é Teu amor, Oh Senhor! Tu és revelado pela escuridão, e aquele que tateia no horror
dos bosques Te pegará por acaso, mesmo como uma cobra que se apossa de uma avezinha que
canta. - Eu Te peguei, ó meu tordo macio; eu sou como um falcão de esmeralda-mãe; eu Te pego por
instinto, se bem que meus olhos falham de Tua glória. - No entanto, eles são gente tola ali. Eu os vejo sobre a areia amarela, todos vestidos de púrpura
de Tiro. - Eles puxam seu Deus brilhante para a terra em redes; eles preparam um fogo para o Senhor do
Fogo, e gritaram palavras profanas, mesmo a pavarosa maldição Amri maratza, maratza, atman
deona lastadza maritza — marán! - Então eles cozinham o deus brilhante, e o engolem inteiro.
- Esta é gente ruim, Ó menino lindo! passemos ao Outro Mundo.
- Façamo-nos em uma isca agradável, assumamos uma forma sedutora!
- Eu serei como uma esplêndida mulher nua com seios de marfim e mamilos dourados; meu corpo inteiro será como leite das estrelas. Eu serei lustrosa e grega, uma cortezã de Delos, a Ilha instável.
- Tu serás como um vermezinho rubro num anzol.
- Mas Eu e tu pegaremos nossos peixes da mesma forma.
- Então serás tu um peixe brilhante de costas douradas e barriga prateada; Eu serei como um
violento homem bonito, mais forte que quarenta touros, um homem do Oeste carregando um grande
saco de joias preciosas sobre um cajado que é maior que o eixo do todo.
59. E o peixe será sacrificado à Ti e o homem forte crucificado a Me, e Tu e Eu nos beijaremos, e
anularemos o erro do Princípio; sim, o erro do princípio.
V.
- Ó meu lindo Deus! Eu nado em Teu coração como uma truta na torrente montanhesa.
- Eu pulo de pego em pego em minha alegria; eu sou belo de castanho e ouro e prata.
- Ora, eu sou mais lindo que os bosques ruivos de outono após a primeira nevada.
- E a caverna de cristal do meu apartamento é mais linda que eu.
- Um anzol apenas pode me apanhar; é uma mulher ajoelhada à margem da corrente. Ela é que
derrama o orvalho brilhante sobre si mesma e na areia, de forma que o rio jorra. - Há uma ave naquele mirto ali; somente a canção daquela ave pode me atrair para fora do pego do
Teu coração, Ó meu Deus! - Quem é este menino de Nápoles que ri de feliz? Seu amante é a pujante cratera da Montanha de
Fogo. Eu vi seus membros torrados descendo a encosta numa furtiva língua de pedra derretida. - E Oh! o chio da cigarra!
- Eu me lembro dos dias quando fui cacique em México.
- Ó meu Deus, eras Tu então como agora meu lindo amante?
- Foi minha adolescência então como agora Teu brinquedo, Tua alegria?
- Em verdade, eu me lembro desses dias férreos.
- Eu me lembro de como inundamos os lagos amargos com nossa torrente de ouro; como
afundamos a imagem preciosa na cratera de Citlaltepetl. - De como a flama boa nos levantou até às terras baixas, depositando-nos na floresta
impenetrável. - Sim, Tu foste uma estranha ave escarlate com um bico de ouro. Eu fui Teu parceiro nas florestas
da terra baixa; e sempre ouvíamos de longe o canto estrídulo de sacerdotes capados e o clamor
insano do Sacrifício de Donzelas. - Havia um esquisito Deus alado que nos falou de sua sabedoria.
- Nós conseguimos nos tornar brilhantes grãos de pó nas areias de um lento rio.
- Sim, e aquele era também o rio de espaço e tempo.
- Nós nos separamos ali: sempre para o menor, sempre para o maior, até que agora, Ó doce Deus,
somos nós próprios, os mesmos. - Ó meu Deus! Tu és como um bodezinho branco com relâmpago nos chifres!
- Eu Te amo, eu Te amo.
- Todo alento, toda palavra, todo pensamento, todo ato é um gesto de amor Contigo.
- O batido do meu coração é o pêndulo do amor.
- Minhas canções são os suspiros leves:
- Meus pensamentos são vera raptura:
- E meus atos são os milhares de Tua prole, as estrelas e os átomos.
- Que nada seja!
- Caiam todas as coisas neste oceano de amor!
- Seja esta devoção um encantamento possante para exorcizar os demônios dos Cinco!
- Ah Deus, tudo foi! Tu consumas Tua raptura. Falútli! Falútli!
- Há uma solenidade de silêncio. Não existe mais nenhuma voz de todo.
- Assim será no fim. Nós que fomos pó jamais cairemos no pó.
- Assim será
- Então, Ó meu Deus, o hálito do Jardim de Espécias. Todas estas tem um sabor averso.
- O cone é cortado por um raio infinito; a curva da existência hiperbólica pula a ser.
- Mais e mais longe boiamos; no entanto estamos imóveis. É a cadeia dos sistemas que cai de nós.
- Primeiramente cai o mundo tolo; o mundo da velha terra cinza.
- Cai inimaginavelmente longe, com sua tristonha face barbuda presidindo-o; some em silêncio e
dor. - Nós a silêncio e gozo, e a face é a risonha face de Eros.
- Sorrindo o saudamos com os sinais secretos.
- Ele nos conduz ao Palácio Invertido.
- Lá está o Coração de Sangue, uma pirâmide com seu ápice projetando-se abaixo do Erro do
Princípio. - Enterra-me em Tua Glória, Ó amado, Ó amante principesco desta donzela puta, dentro da mais
Secreta Câmara do Palácio! - Isto é feito rápido; sim, o selo é aposto sobre a câmara mortuária.
- Há um que poderá abri-la.
- Nem por memória, nem imaginação, nem rezas, nem jejum, nem auto-tortura, nem drogas, nem
ritual, nem meditação; ele valerá só pelo amor passivo. - Ele esperará pela espada do Bem-Amado, e oferecerá sua garganta para o golpe.
- Então seu sangue pulará e me escreverá runas no céu; sim, me escreverá runas no céu.
VI.
- Tu eras uma sacerdotisa, Ó meu Deus, entre os Druidas; e nós conhecíamos os poderes do
carvalho. - Nós nos fizemos um templo de pedras na forma do Universo, mesmo como tu usavas abertamente e eu escondido.
- Lá executamos muitas coisas maravilhosas à meia-noite.
- Pela lua minguante trabalhávamos
- Por sobre a planície veio o atroz chamado de lobos.
- Nós respondemos; nós caçamos com a alcatéia.
- Chegamos mesmo à Capela nova e Tu levaste o Santo Graal debaixo de Tuas vestes de Druida.
- Secreta e furtivamente, nós bebemos do sacramento informador.
- Então uma inquietação terrível se apossou da gente da terra cinza; e nos regozijamos.
- Ó meu Deus, disfarça Tua glória!
- Vem como um ladrão, e roubemos os Sacramentos!
- Em nossos bosques, em nossas celas claustrais, em nosso favo de dita, bebamos, bebamos!
- É o vinho que tinge todas as coisas com a verdadeira tintura de infalível ouro.
- Há segredos profundos nestas canções; não basta ouvir a ave; para apreciar a canção, ele deve
ser a ave. - Eu sou a ave, e Tu és minha canção, Ó meu glorioso Deus galopante!
- Tu puxas as rédeas das estrelas; tu guias as constelações sete a sete pelo circo do Nada.
- Tu Deus Gladiador!
- Eu toco minha harpa, Tu lutas contra as bestas e as flamas.
- Tu achas Tua alegria na música, e eu na luta.
- Tu e eu somos queridos do Imperador.
- Vê! ele nos chamou ao palanque imperial.
A noite cai; é uma grande orgia de adoração e gozo.
- A noite cai como um manto cintilante dos ombros de um príncipe sobre um escravo.
- Ele se levanta um homem livre!
- Joga tu, Ó profeta, o manto sobre estes escravos!
- Uma grande noite, e poucos fogos nela; mas liberdade para o escravo que sua glória
emcompassar. - Assim, também eu desci à grande cidade triste.
- Lá a morta Messalina trocava sua coroa por veneno de Locusta morta; lá estava Calígula, e
golpeava os mares de oblívio. - Quem foste Tu, Ó César, que percebeste Deus num corcel?
- Pois vede! nós contemplamos o Cavalo Branco dos Saxões gravado sobre a terra; e
contemplamos os Cavalos do mar que flamejam em volta da velha terra cinza, e a espuma das
narinas deles nos ilumina! - Ah! mas eu te amo, Deus!
- Tu és como uma lua sobre o mundo de gelo.
- Tu és como a aurora das mais longínquas neves sobre as planícies secas da terra do tigre.
- Pelo silêncio e pela fala eu Te adoro.
- Mas é tudo em vão.
- Só Teu silêncio e Tua fala que me adoram valem.
- Chorai, Ó gente da terra cinza, pois nós bebemos o nosso vinho, e vos deixamos apenas as
fezes. - No entanto, destas vos destilaremos um licor além do néctar dos Deuses.
- Há valor em nossa tintura em mundo de Espécia e ouro.
- Pois nosso pó de projeção vermelho está além de todas as possibilidades.
- Há poucos homens; há bastantes.
- Estaremos cheios de escançãos, e o vinho não é racionado.
- Ó querido meu Deus! que festim que Tu proveste.
- Vede as luzes e as flores e as donzelas!
- Provai dos vinhos e dos bolos e das esplêndidas carnes !
- Aspirai os perfumes e as nuvens de deuzinhos como ninfas do bosque que habitam as
narinas! - Senti com vosso corpo inteiro a maciez do mármore fresco e o calor generoso do sol e dos
escravos! - Que o Invisível informe a Luz devoradora toda com seu vigor destrutivo!
- Sim! o mundo inteiro é rachado em dois, como uma velha árvore cinza sob o raio!
- Vinde, Ó deuses, e festejemos.
- Tu, Ó meu querido, Ó meu incessante Deus-Pardal, meu deleite, meu desejo, meu enganador,
vem Tu e chilra à minha mão direita! - Este foi o conto da memória de Al A’in o sacerdote; sim, de Al A’in o sacerdote.
VII.
- Pela combustão do incenso foi a Palavra revelada, e pela droga distante.
- Ó farinha e mel e óleo! Ó linda bandeira da lua, que ela pendura no centro de felicidade!
- Estes afrouxam as ligaduras do cadáver; estes desatam os pés de Osíris, para que o Deus
flamejante possa raivar pelo firmamento com sua lança fantástica. - Mas de puro mármore negro e a estátua triste, e a imutável dor dos olhos é amarga para os
cegos. - Nós compreendemos a raptura daquele mármore sacudido, rompido pelos movimentos da criança
coroada, a vara do áureo Deus. - Nós sabemos por que tudo está oculto na pedra, dentro do ataúde, do grande sepulcro, e nós
também responderemos Olalám! Imál! Tutúlu! como está escrito no livro antigo. - Três palavras daquele livro são como vida para um novo aeon; nenhum deus leu tudo.
- Mas Tu e Eu, Ó Deus, o escrevemos página por página.
- Nossa é a undécupla leitura da palavra Undécupla.
- Estas sete letras juntas fazem sete palavras diversas; cada palavra é divina, e sete sentenças ali
estão ocultas. - Tu és a Palavra, Ó meu querido, meu senhor, meu mestre!
- Ó vem a mim, mistura o fogo e a água, tudo se dissolverá.
- Eu Te espero dormindo, acordado. Eu não Te invoco mais; pois Tu estás em mim, Ó Tu que me
fizeste num lindo instrumento atunado à Tua raptura. - No entanto és Tu sempre aparte, mesmo como Eu.
- Eu me lembro de um certo dia santo no ocaso do ano, no ocaso do Equinócio de Osíris, quando
primeiro eu Te contemplei visível; quando primeiro a pavorosa lida foi encetada; quando Ele de
Cabeça de Íbis fez parar a luta com seu feitiço. - Eu me lembro de Teu primeiro beijo, mesmo como deve uma donzela. Nem nos atalhos escuros
houve outro: Teus beijos perduram. - Não existe outro além de Ti no Universo inteiro do Amor.
- Meu Deus, eu Te amo, Ó Tu bode de chifres dourados!
- Tu lindo touro de Ápis! Tu linda serpente de Apep! Tu linda criança da Deusa Grávida!
- Tu Te moveste em Teu sono, Ó antigo sofrimento dos anos! Tu levantaste Tua cabeça para
golpear, e tudo é dissolvido no Abismo de Glória. - Um fim para as letras das palavras! Um fim para o sétuplo discurso.
- Resolve-me a maravilha disso tudo na figura de um ossudo camelo célere atravessando a areia.
- Solitário é ele, e abominável; no entanto ganhou a coroa.
- Oh alegrai-vos! alegrai-vos!
- Meu Deus! Ó meu Deus! Eu sou apenas um grão de pó de estrelas das idades; eu sou o Mestre
do Segredo das Coisas. - Eu sou o Revelador e o Preparador. Minha é a Espada — e a Mitra e a Baqueta Alada!
- Eu sou o Iniciador e o Destruidor. Meu é o Globo — e a Ave Bennu e o Loto de Ísis minha filha!
- Eu sou Aquele além de todos estes; e porto os símbolos da escuridão pujante.
- Haverá um sinal como de um vasto, negro, ameaçador oceano de morte, e o braseiro central de
escuridão radiando sua luz sobre tudo. - Engolirá aquela escuridão menor.
- Mas naquele profundo, quem responderá: O que é?
- Não Eu.
- Não Tu, Ó Deus!
- Vem, não raciocinemos juntos mais; gozemos! Sejamos nós mesmos, silenciosos, únicos, aparte.
- Ó bosques solitários do mundo! Em que recessos escondereis nosso amor?
- A floresta de lanças do Altíssimo é chamada Noite, e Hades, e o Dia de Cólera; mas eu sou Seu
capitão, e porto Sua taça. - Não me temais com meus lanceiros! Eles matarão os demônios, com suas forquilhas
mesquinhas. Vós sereis livres. - Ah, escravos! vós não quereis — vós não sabeis como querer.
- No entanto a música das minhas lanças será uma canção de liberdade.
- Uma grande ave descerá do Abismo de Alegria, e vos arrebatará para serdes meus escançãos.
- Vem, Ó meu Deus, em uma última raptura atinjamos à União com os Muitos!
- No silêncio das Coisas, na Noite das Forças, além do amaldiçoado domínio das Três, gozemos
nosso amor! - Meu querido! Meu querido! para longe, para longe, além da Assembléia e da Lei e da
Iluminação para uma Anarquia de Solitude e Escuridão! - Pois assim mesmo devemos velar o brilho de nosso Ser.
- Meu querido! Meu querido!
- Ó meu Deus, mas o amor em Me rebenta sobre os laços de Espaço e Tempo; meu amor é
derramado entre aqueles que não amam o amor. - Meu vinho é servido àqueles que nunca provaram vinho.
- Os fumos dele os intoxicarão, e o vigor do meu amor engendrará bebês pujantes de suas virgens.
- Sim! sem bebida, sem abraço: — e a Voz respondeu Sim! estas coisas serão.
- Então busquei uma Palavra para Mim Mesmo; não, para mim mesmo.
- E a Palavra veio: Ó Tu! está bem. Nada atendas! Eu Te amo! Eu Te amo!
- Portanto tive fé até ao fim de tudo; sim, até ao fim de tudo.